Letícia Ginak

A partir da próxima segunda-feira, 27 de janeiro, projetos de construtoras e incorporadoras protocolados em todas as prefeituras do País deverão atender aos critérios de acessibilidade estipulados no artigo 58 da Lei n° 13.146/2015 – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), conforme Decreto Presidencial n° 9.451 assinado em julho de 2018. Na prática, pessoas com mobilidade reduzida, portadoras de nanismo ou limitações auditivas e visuais, por exemplo, estão asseguradas por Lei a pedirem adaptações em imóveis adquiridos na planta (antes do início da construção) sem que haja custo adicional.

De acordo com o último censo do IBGE – realizado em 2010 – cerca de 24% da população brasileira declarou ter algum grau de deficiência ou dificuldade em habilidades motoras, visuais, de audição ou intelectuais. A porcentagem de pessoas com dificuldade severa de mobilidade é de 2,3%, por exemplo.

Para assegurar a acessibilidade dessa parcela da população, a LBI conta com três artigos que impactam diretamente no setor de construção civil. O artigo 32, já em vigor, estabelece que construções habitacionais de cunho social e financiadas com recursos públicos, como o Minha Casa Minha Vida, devem conter 3% de unidades adaptadas. O artigo 45, também em vigor, corresponde a hotéis e demais estabelecimentos comerciais e estipula a obrigatoriedade de 5% de unidades adaptadas.

O artigo 58 impacta diretamente em novos projetos de médio e alto padrão. Para seguir a legislação, construtoras e incorporadoras têm duas opções: protocolar empreendimentos com 100% de unidades internas adaptáveis ou imóveis com 3% de unidades internas já adaptadas.

A unidade adaptável deve ser projetada de forma em que possa ser convertida futuramente em unidade acessível. Isso significa que é imprescindível que alterações de layout, dimensões internas ou quantidade de ambientes sejam possíveis de serem realizadas sem que a estrutura da edificação e instalações prediais sejam afetadas. Já as unidades adaptadas devem ser entregues seguindo parâmetros acessíveis em larguras de corredores (90 cm), portas (80 cm), banheiro (cadeirante deve entrar e sair de frente do cômodo, ou seja, é preciso proporcionar giro de 180° da cadeira de rodas), altura e distância máxima de interruptores (altura pode mudar de acordo com a necessidade – pessoas com nanismo e cadeirantes têm alturas diferentes, por exemplo), entre outras. Sinais visuais e sonoros também compõem unidades adaptadas para pessoas com deficiências visuais e auditivas. Os padrões de acessibilidade estão estabelecidos em norma da ABNT NBR 9050.

Carlos Borges, vice-presidente do Sindicato de Habitação de São Paulo (Secovi-SP), ressalta que será preciso mudar a forma como os profissionais e as empresas planejam os novos projetos. “Para conceber um empreendimento que possa ser adaptável, não é possível simplesmente pegar uma planta normal e depois fazer uma adaptação. É preciso pensar no projeto já com essa possibilidade. Seja na largura de corredores ou em instalações elétricas e hidráulicas. Todo o projeto tem que ser pensado como adaptável. É uma mudança de mindset”, diz.

O Secovi-SP e especialistas no tema acreditam que a Lei retoma o conceito de desenho universal e fortalece a arquitetura pensada para as pessoas. “Acredito que a Lei será uma aula inclusiva para os arquitetos responsáveis por esses projetos. Precisamos voltar a pensar na qualidade da moradia, em edifícios construídos para seres humanos, que mudam com o tempo, envelhecem, adoecem, quebram uma perna ou recebem o pai idoso para morar com ele”, acredita Silvana Cambiaghi, arquiteta e presidente da Comissão Permanente de Acessibilidade de São Paulo.

Cadeirante há 22 anos, Edson Alba passou pelo processo de pedir uma unidade adaptada antes da vigência do artigo. Seis meses antes da entrega do imóvel, ele pediu o aumento da largura das portas (de 70 cm para 90 cm) e a instalação de uma rampa entre a sacada e a entrada da sala, pois havia um degrau no ambiente. “Acredito que a vigência do artigo vem para somar. Ainda mais porque existe a tendência de construir imóveis cada vez menores. Neles, a adaptação é mais difícil e a Lei vai assegurar isso”, acredita. Edson completa que a construtora não demonstrou resistência e todas as adaptações foram feitas sem custo adicional.

Pelo artigo 58, estão isentos imóveis com um dormitório e até 35 m² e imóveis de dois dormitórios com até 41 m².

Na prática. Luiz Antonio França, presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), diz que construtoras e incorporadoras estão preparadas para seguir a legislação a partir desta segunda-feira, 27. “Estamos falando de imóveis de médio e alto padrão, não existe dificuldade. E a legislação é clara e objetiva”, diz.

A reportagem do Estado entrou em contato com incorporadoras da cidade de São Paulo e nenhuma aceitou falar sobre o tema. Apenas a Plano&Plano comentou o assunto.

“Como nossos empreendimentos são financiados pela Caixa Econômica Federal (são construções para o Minha Casa Minha Vida, por isso atendem ao artigo 32), já cumprimos esses requisitos. Nos últimos três anos, 100% dos empreendimentos seguem as normas”, diz Renee Silveira, gerente da incorporadora.

Em dezembro de 2019, o Secovi-SP, a Abrainc e a Comissão Permanente de Acessibilidade de São Paulo com apoio de outras entidades do setor lançaram o Guia Prático de Acessibilidade em Unidades Residenciais. A cartilha traz detalhes sobre as exigências estabelecidas pelo artigo 58 e traz medidas e adaptações necessárias para os novos projetos. O guia está disponível gratuitamente no site do Secovi-SP.

COLABOROU ANNA BARBOSA, estagiária sob a supervisão do editor de Economia e Negócios, Alexandre Calais. 

Fonte: Estadão